sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Cegueira


I

Eu não vi as pedras do caminho, e não as retirei
Fui descalço, pensei ser a simplicidade algo bom
Acreditei ser um dom não saber ao certo o que sou
Ser o caos, e de fato, enquanto os pés não tocam o chão
As pedras não abrem as feridas, esqueci as feridas
E por não ver as pedras, fui tomado pela ânsia
De seguir a pé, sozinho, descalço, sangrar
Se meu peito sangra que diferença teria sangrar os pés?
Eu não vi os amores, não vi os momentos, não até ser tarde
Tarde demais para ser parte da historia, e criei memorias
Uma linha histórica infestada de rupturas, todas elas
Minha culpa
Não vi as frases nos muros indicando a direção
Não vi os ventos mudando de direção
Não vi a vida se esvaindo, poeira escapando de minhas mãos
Por entre os dedos, não tive tato, tampouco coragem
Não vi as cartas se acumularem, não vi a frustração se aproximar
O tempo, não vi o tempo passar
Mas chega um momento em que não há pedras
Não há muros, não há nada, nada além de um corpo cansado
De feridas abertas, de culpas, magoas, e aquela intensidade
Que outrora me oferecia os céus, me jogam de face ao chão de pedras

II

Supunha se a dor antes de a dor doer de fato
Mas não fora o prever a dor, mas a angustia da nova dor
Que o levara dos céus ao inferno, sem escalas
Não fora a morte, companheira fiel, mas a vida
A primavera, os campos floridos, a esperança
O amor, os protagonistas, risonhos, da dor
Que se sobrepôs a dor presumida
Tornou se dor de fato diluída
No veneno doce da vida

III

Não vi as flores, mas senti seus espinhos
Perfurarem a carne impura, culpa
A desesperança encontra abrigo
Na realidade dos fatos
De fato, inatingível és
De fato, improvável sou
De fato, incrível es
De fato, nada sou
Nada além de invisível
Intragável, impossível
Inadequado
E não vi nada, nada além

De ser nada...

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